Deficiências nos recursos de controle e fiscalização de biossegurança no Brasil tornam possível a chegada do vírus ao país
Estimativas recentes dão conta de que possivelmente mais de 500 mil porcos, cerca de metade do rebanho da República Dominicana, podem ser abatidos em breve para controle sanitário devido ao surto confirmado de Peste Suína Africana (PSA), que vem correndo o globo desde 2018.
Isso representa uma grave crise em termos de compaixão animal, uma vez que frequentemente os abates de urgência desconsideram as recomendações de abate humanitário, que buscam evitar dor e sofrimento aos animais. Em 2019, na China, milhões de animais tiveram que ser abatidos, com muitos relatos de crueldade extrema que chocaram o mundo.
“Esta é uma crise mundial e é imprescindível que todos os recursos disponíveis sejam usados para garantir que os animais afetados sejam tratados com humanidade” defende a chefe de Agropecuária Sustentável da Proteção Animal Mundial, Jacqueline Mills. “Os porcos são seres vivos que respiram e sentem dor e medo. Devemos garantir que não haja sofrimento indevido a esses animais, que já são afetados pela PSA”, completa Jacqueline Mills.
Além disso, as contingências do alastramento da doença acarretam enorme impacto para a indústria de criação e, em particular, para pequenos produtores que dependem dos animais para comercialização local ou subsistência familiar. Há ainda outros efeitos econômicos e sociais envolvidos, uma vez que a imposição de barreiras sanitárias pode afetar a circulação de bens e pessoas e até a atividade turística internacional. A República Dominicana, que divide a ilha de La Hispaniola com o Haiti, é o destino caribenho mais visitado anualmente.
Caminho para o Brasil
O Brasil não está hoje diretamente conectado por via aérea à República Dominicana. Mas o acesso é possível por escalas ou conexões em 40 outros países (dados de março do Ministério do Turismo dominicano).
As restrições de Covid-19 para a chegada de pessoas partindo do Brasil, que poderiam ajudar nesse caso, são leves (teste ou certificado recente de vacinação completa). Até junho, mais de 15 mil brasileiros visitaram o país em 2021. No sentido inverso, as restrições para pessoas entrando no Brasil (brasileiros ou estrangeiros), incluindo da República Dominicana, também são brandas.
Possíveis impactos e vulnerabilidades
Estas considerações evidenciam tanto os riscos quanto a real possibilidade de entrada do vírus da Peste Suína Africana no Brasil. Estes riscos devem ser encarados com extrema seriedade. O Sistema Mundial de Informação de Saúde Animal (OIE-WAHIS) já emitiu alerta para as américas.
O rebanho suíno brasileiro, segundo dados do IBGE de 2019, supera 40 milhões de animais. As criações estão concentradas no Centro-Sul do país, especialmente nos três estados do Sul. O Brasil é o quarto maior produtor e exportador mundial de carne suína do mundo segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Além da mortalidade, surtos do tipo geram sérios problemas para as exportações totais de carne suína de um país afetado, ainda que oriundas de áreas livres do vírus.
Reconhecendo o problema, no último dia 30 o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil (Mapa) divulgou um Plano Integrado de Vigilância de Doenças dos Suínos e emitiu alertou os setores de controle de importações, vigilância agropecuária internacional e serviços oficiais de saúde animal.
Nota da Associação Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa) conta, por exemplo, sobre reforço, já desde o próprio dia 30, na fiscalização de bagagens de voos procedentes do Panamá (possível rota a partir da República Dominicana) no aeroporto de Porto Alegre. Mas o texto também deixa claro a falta de pessoal para dar conta da tarefa: há somente sete auditores na unidade do aeroporto.
Outras manifestações recentes da entidade vão no mesmo sentido e alertam para a possibilidade de brechas: números apontam 2.542 affas na ativa atualmente, dos quais 313 são servidores da Vigilância Agropecuária Internacional, contingente 23% menor que há dois anos.
Em manifestação da semana passada, o próprio secretário de Política Agrícola do Mapa, Guilherme Soria Bastos Filho, revelou a necessidade de reforço orçamentário para a pasta, com especial preocupação quanto a deficiências na Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA).
Uma questão comum associada, verificada em diversos países que viveram surtos de PSA, é a demora ou falta da notificação obrigatória das autoridades por parte dos produtores quando surge alguma suspeita de contaminação dos porcos. Isso reforça também a importância dos esforços de comunicação e conscientização de criadores e da sociedade em geral por meio de campanhas de divulgação e de publicidade.
A Peste Suína Africana
A presença do vírus causador da Peste Suína Africana na República Dominicana foi confirmada por amostras analisadas pelo programa de cooperação com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) no final do mês de julho. É o primeiro registro nas américas em quase 40 anos. O Brasil não registra a doença desde 1978. Desde 2018 a doença tem se espalhado, afetando mais de 50 países na África, Europa e Ásia.
A doença, causada por um vírus altamente resistente, não apresenta até hoje riscos para os seres humanos. Mas é extremamente contagiosa e fatal para suínos. Pode se disseminar por porcos vivos ou mortos, domésticos (de produção industrial ou criação familiar) ou selvagens, e produtos derivados. A transmissão também pode ocorrer por meio de pés contaminados ou objetos como calçados, roupas, veículos, facas e equipamentos.
Como não há vacina ou tratamento, quando detectada a doença obriga o abate de rebanhos inteiros. O sistema atual de produção pecuária industrial intensiva só amplia o potencial de problemas. “Esta é uma indicação clara de que precisamos repensar nosso sistema alimentar. A intensificação não é a resposta. Podemos alcançar nosso objetivo de segurança alimentar e de emprego sem uma maior intensificação da pecuária”, aponta Jacqueline Mills.
Assim como no caso da Covid-19 para os humanos, a melhor medida para evitar os problemas diretos e indiretos da PSA é a prevenção. Conforme orientação da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) ligada à ONU, as ações incluem:
- Detecção precoce e abate humanitário de animais (com descarte adequado de carcaças e resíduos);
- Limpeza e desinfecção completas;
- Zoneamento/compartimentação e controles de circulação;
- Vigilância e investigação epidemiológica detalhada;
- Medidas estritas de biossegurança nas fazendas.
Fonte: https://www.worldanimalprotection.org.br/noticia/crise-da-peste-suina-africana-nas-americas-autoridades-do-brasil-devem-ficar-em-alerta